“A saudade é o revés de um parto”

Professor remói saudade, mas reluta em adotar um filho

Jéssica nasceu com problemas congênitos. Frágil, lutou contra a infecção hospitalar, pneumonia, meningite, entre outras enfermidades. Começou a andar aos 5 anos e perdeu a vida aos 7, no colo da mãe, vítima de uma crise asmática, a caminho de um hospital. Hoje, uma década após a sua morte, a perda ainda dói latejada no peito da dona de casa Juliana Santos, 36 anos, e do seu marido, o professor Francisco, 54 (tanto o nome da criança quanto os dos pais são fictícios). Todo dia, a mãe prepara o quarto da sua pequena como se a esperasse voltar – cama, impecavelmente arrumada, fotos dispostas nas prateleiras, bonecas caprichosamente vestidas e penteadas. Juliana e Francisco materializam a saudade que é, de fato, “arrumar o quarto do filho que já morreu”. 

Casados há 17 anos, eles mantêm o quarto intacto enquanto lutam para ter um novo bebê. Ligados pelos traços consangüíneos, os primos Juliana e Francisco sabem que uma nova criança gerada pode trazer complicações genéticas. Ainda assim, resistem quando o assunto é adoção. “Até hoje sentimos a morte da Jéssica e ficamos receosos de ter mais um filho. Mas a minha mulher está fazendo tratamento, com acompanhamento médico, é nova e nós vamos tentar mais uma vez. A adoção a gente está prorrogando enquanto for possível ela ter um filho natural”, argumenta o professor. 

O casal já teve experiências com duas outras crianças deixadas por pessoas do interior do Estado que não tinham condições de criá-las. “Não chegamos a adotar totalmente, mas recolhemos duas meninas e, se tivesse dado certo, a gente ficaria. Mas o problema é que as crianças de uma certa idade já vêm com alguns vícios, já foram educadas de outra maneira e não se adaptam, não querem seguir a educação que a gente proporciona. São crianças que, vamos supor, gostam muito de viver na rua, aí você quer botar na escola, para estudar, cumprir horário, fazer as coisas todas certinhas, mas elas preferem voltar para a vida antiga, para a mãe. Sabem que não estão sendo criadas pelos pais, aí você também não pode reclamar de nada, não pode aconselhar”, diz Francisco. 

É com essa convicção que o casal prefere arriscar, novamente, a desilusão da perda de um filho a dar uma nova vida a uma criança carente de família. “Quando é um filho gerado, se porventura ele não quiser seguir um bom caminho, e isso pode até acontecer, você tem que aceitar, pois foi Deus quem mandou. Eu até acredito que uma criança adotada novinha, que não teve contato com outro tipo de educação, adapte-se bem e seja criada como filho mesmo. Ainda assim, a gente prefere adotar só no último caso”, reluta Francisco.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O mãozinha de pilão

A síndrome do chifrudo imaginário

Quero ser médico do Detran!