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Mostrando postagens de agosto, 2011

Retrato do antiartista quando coisa

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  “Alvinho!”, gritou Paulo Lobo. Depois foi Dirceu de Marília. Daí veio Edson e pronto. Lá estava eu, cercado de “Alvinhos” por todos os lados. Alguns ditos por velhos parceiros de farra; outros, mais despretensiosos, ganhavam eco na voz daquela gente desconhecida, que nas altas da madrugada não faz cerimônia e se aconchega na fronha da amigueira boemia. Enfim, havia chegado a hora da minha canja e eu não podia dizer não. O bar estava vazio, é verdade, mas para um sujeito de timidez acentuada e autocrítica sem limites, qualquer banquinho de boteco vira o palco do Tobias Barreto – em noite de casa cheia. Primeiro vem o frio na barriga; o gelo nas mãos. Levanto sem graça, pego o violão, bebo um gole. Bebo outro. Mais alguns goles; mais algumas doses. E a coisa só piora. A canja começa e os primeiros acordes são trêmulos. A voz também vacila, reluta, desafina. E eu fico mais nervoso. Tem ainda aquele momento em que a memória se esvai. Dá branco na execução das notas e letras. Risinho ama

É Noite

Fernando Pessoa É noite. A noite é muito escura. Numa casa a uma grande distância Brilha a luz duma janela. Vejo-a, e sinto-me humano dos pés à cabeça. É curioso que toda a vida do indivíduo que ali mora, e que não sei quem é, Atrai-me só por essa luz vista de longe. Sem dúvida que a vida dele é real e ele tem cara, gestos, família e profissão. Mas agora só me importa a luz da janela dele. Apesar de a luz estar ali por ele a ter acendido, A luz é a realidade imediata para mim. Eu nunca passo para além da realidade imediata. Para além da realidade imediata não há nada. Se eu, de onde estou, só veio aquela luz, Em relação à distância onde estou há só aquela luz. O homem e a família dele são reais do lado de lá da janela. Eu estou do lado de cá, a uma grande distância. A luz apagou-se. Que me importa que o homem continue a existir?