Amor à décima potência

Kael e Carla: irmãos unidos pela adoção

Quem duvida do amor entre pais e filhos adotivos certamente não conhece a secretária executiva Carla Batista Conceição. Aos 15 dias de vida, ela foi adotada por Maria Alice Conceição, uma assistente social que enfrentou o preconceito – muito mais arraigado há 32 anos – e, mãe solteira, criou três crianças e construiu uma família que ainda hoje, 12 anos após a sua morte por infarto, permanece sólida. 

“A minha mãe biológica não tinha condições de me criar. Morava no interior da Bahia, era muito jovem, tinha problemas de saúde e não era casada. A minha tia trabalhava no hospital onde eu nasci e chegou em casa dizendo que uma menina ficaria para adoção. Foi aí que minha mãe me adotou”, revela Carla. Depois dela, Maria Alice ainda adotaria Carlos Eduardo, aos 3 meses de vida – hoje com 23 anos –, e o caçula Kael, com apenas um dia de nascido – e agora um adolescente de 13. 

“Eu nunca tive problema por ser adotada. Na minha cabeça, é uma coisa que sempre foi muito bem resolvida. Talvez o amor tenha sido tanto que nada me faz falta. Eu não me sinto diferente, menos ou mais do que ninguém, e hoje vejo que o maior presente da minha vida foi esse. Fui amada por quem me gerou, porque ela teve a dignidade ou hombridade de me dar, e fui amada à décima potência por quem me pegou, porque a minha mãe é a pessoa mais maravilhosa do mundo”, diz Carla, de olhos marejados.

Desde as broncas e tapas, até o carinho da família, nada faltou à menina. Em meio a oito netos biológicos que se reuniam para brincar no casarão dos avós, no bairro Suíssa, não havia distinção. “Quando minha mãe me adotou, meu avô disse que era um absurdo, que as pessoas iriam pensar que ela era mãe solteira, mas uma semana depois o meu berço estava do lado da cama dele, porque minha mãe trabalhava à noite, então ninguém encostava mais em mim. O xodó da vida do meu avô, todo mundo sabe, era eu”, garante. 

Entre Maria Alice e os seus três filhos, a adoção jamais foi encarada como tabu e, muito menos, comentada nas alcovas. “Eu não tenho uma lembrança de quando soube que era adotada. É como se a minha vida inteira eu soubesse. A minha mãe incutia desde pequenininha: dizia que eu tinha a ‘mãe do coração’ e a ‘mãe da barriga’, em uma linguagem mais infantil. Ela nunca escondeu”, relembra Carla Conceição. 

A secretária executiva não guarda na memória qualquer momento de diferenciação, de preconceito. “A minha avó, que ainda tinha uma cabeça meio retrógrada, contou para a rua inteira que eu era adotada, para que as pessoas não imaginassem que a filha dela pudesse ser mãe solteira. Mas dentro da minha família eu nunca tive esse problema, e na escola também não lembro de ter sido tratada diferente por ser adotada, até mesmo porque, para mim, eu não era. Não que renegasse o fato de ser, mas eu sou tão minha mãe...”. 

Com a morte de Maria Alice, Carla continuou cuidando do pequeno Kael. “Minha mãe morreu quando ele tinha 1 ano, e eu tive que arregaçar as mangas. Hoje ele tem todos os defeitos de um adolescente, tem de ficar de castigo, mas eu acho que poucas pessoas amam um irmão como eu amo o meu. Ele sabe que eu não sou a mãe dele, mas quem manda sou eu”, ri. 

Há algum tempo Carla Conceição passou a trabalhar voluntariamente com o Grupo de Apoio à Adoção de Sergipe. Por meio do seu testemunho de vida, tenta conscientizar a população de que os laços sanguíneos não são fundamentais para se constituir uma família feliz. “Mais importante do que o sangue é o amor. Sangue você faz transplante, você perde. O amor não. Eu amo minha mãe, mesmo ela não estando no plano físico. E fui amada, talvez, como muitos filhos e muitas mães que têm o mesmo sangue não possam mensurar. Acho que se o sangue valesse alguma coisa, não tinha filho matando mãe e vice-versa. Amor, respeito, carinho, você constrói no dia-a-dia”.

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