Todo brasileiro tem um quê de argentino
Brasileiro é engraçado. Quase sempre vota errado, avaliza a bandalheira política, têm seus direitos essenciais violentados e sorri. Faz piada da sua situação de otário e não se incomoda em repetir o erro na eleição seguinte. Brinca com coisa séria, mas quando perde no futebol se enfeza, vira bicho. A bem da verdade, o brasileiro, que tanto repudia a soberba argentina, alimenta em si uma empáfia velada. Definitivamente, não sabe perder, sobretudo na Copa do Mundo.
Toda eliminação do Brasil em Copa é a mesma coisa. A caça às bruxas começa antes mesmo de o jogo terminar, já durante as transmissões. Isso porque o brasileiro ainda não aprendeu que o esporte é feito de vitórias e derrotas, e que há sempre um adversário. Se vence, o mérito é seu; se perde, a culpa é sua. Como se estivesse sozinho em campo.
Não quero aqui fazer um discurso pró-Dunga. Nada disso. Acredito que o técnico carrancudo se despede da Seleção com alguns erros e muitos acertos. O Dunga poderia ter levado um elenco melhor, é claro, mas se eu escalar o meu time aqui, muita gente também vai discordar. Isso é normal e realmente não creio que esteja apenas numa convocação o motivo da queda do Brasil em 2010. A Seleção perdeu para uma equipe inferior porque futebol é futebol. Imprevisível, muitas vezes ilógico e humanamente injusto.
Há uma série de contradições até mesmo no discurso dos críticos que mostraram otimismo antes de Brasil e Holanda e, em míseros 45 minutos, mudaram radicalmente de opinião. A principal contradição soa como ironia: para vencer a Seleção Brasileira, a Laranja Mecânica utilizou, justamente, a tática condenada pela imprensa e pela torcida no Brasil. Segurou o jogo, apostou no erro do adversário, fez do gol ‘uma consequência’, como diria o Parreira. Tapa na cara da crítica especializada.
Os erros do Brasil também são mais do que irônicos. Júlio César, o melhor goleiro do mundo, perdeu o tempo da bola no primeiro gol – provavelmente não cometerá a mesma falha nos próximos quatro anos –; a melhor defesa do planeta cochilou e um nanico cabeceou, sem precisar pular, para fazer o segundo gol holandês. Injusto, não é? Coisas do futebol, este esporte que muitas vezes se alimenta da ingratidão, da injustiça.
O futebol-arte argentino, tão cobrado no Brasil de Ganso e Neymar, sucumbiu diante da eficiente Alemanha; já Gana se despediu da Copa nas mãos do atacante uruguaio Suarez, que deu uma de goleiro e tirou a bola em cima da linha do gol. Detalhe: no último minuto do segundo tempo da prorrogação. O Uruguai passou às semifinais só porque transgrediu as regras do jogo e o Suarez, é claro, virou herói por trapacear. Já o africano Asamoah Gyan, que já havia marcado dois tentos de pênalti na Copa, acertou o travessão e desperdiçou a grande chance da história de Gana. Se despediu como artilheiro, mas se estivesse no Brasil teria virado o vilão da história. Assim como o gênio Zico já foi vilão uma vez.
Isso porque brasileiro não está pronto para digerir a derrota, as justiças e injustiças do futebol, este esporte fascinantemente imprevisível. Se ganha, ótimo. Se perde, prefere enxergar o próprio demérito a aceitar o mérito adversário. Dunga tem a sua parcela de culpa? Tem. Felipe Melo, idem – da mesma forma que também tem ‘culpa’ pelo passe magistral do gol de Robinho contra a Holanda. Mas nada disso foi determinante para o resultado. O Brasil perdeu simplesmente porque futebol é futebol, mas o brasileiro não aceita. Em suma, é na derrota que todo brasileiro vira argentino.
Comentários
E sonho para que um dia esse grau de mobilização que a Copa gera seja comum com eventos tão importantes quanto este.
Ótimo texto, como sempre!rsrsrs
Tiamo,
Vivi