No epicentro da dor, a lição de solidariedade

Enfermeiro sergipano relata a experiência de quem conviveu com o Haiti devastado pelo terremoto


Dênison (centro) e colegas salvam criança da amputação

Mais de duzentos mil mortos, trezentos mil feridos, quatro mil amputados, um milhão de desabrigados. Em 12 de janeiro de 2010, um terremoto de magnitude 7 na escala Richter devastou o Haiti, país mais pobre das Américas. E por mais que o tempo passe, o cenário de destruição permanece – e permanecerá para sempre – nos escombros da memória de quem viveu o epicentro da dor, da agonia, do desespero.
“O que mais doía era ver as crianças amputadas. Bebês de 1, 2 anos, sem os membros inferiores, sem família. Quando não morrem, saem do hospital e são jogados em um orfanato, isso se houver vaga. Numa situação dessa você não tem nem o que pensar”, diz o enfermeiro sergipano Dênison Pereira, professor do curso de Enfermagem da Universidade Tiradentes e único nordestino entre os 16 profissionais de saúde convocados pela Associação Médica Brasileira para uma missão humanitária no Haiti.
Durante 19 dias, a equipe brasileira formada por médicos, enfermeiros e um técnico de Raio-X realizou 180 cirurgias ortopédicas e mais de 450 procedimentos não cirúrgicos. “Trabalhávamos ostensivamente, cerca de 15 horas diárias, dormíamos em barracas, com muito mosquito, nossa alimentação era escassa. Cheguei a perder quatro quilos”, relata Dênison.
A descrição da capital haitiana vem como a de uma ‘cidade fantasma’. “Porto Príncipe está completamente abandonada, não tem um prédio em pé. Você passa nas ruas e percebe que foram totalmente devastadas. De um lado a destruição; do outro, milhares de barracas que abrigam os sobreviventes – sem saneamento básico, sem alimentação, pessoas pedindo, saqueando, chegam a ser até agressivas por conta da necessidade. Coleta de lixo não existe e o odor é terrível. Porto Príncipe é fétida e você não consegue de forma alguma se livrar daquilo”, conta o enfermeiro e professor.
Dênison Pereira tem 12 anos de sua vida dedicados ao trabalho de urgência e emergência, participou em 2008 de um curso de gerenciamento de catástrofe em Israel. A missão no Haiti deu ao enfermeiro mais um ensinamento: o de que a dor da perda pode ser bem mais dilacerante que a dor física. “As pessoas em tratamento perderam toda a família ou alguém próximo. Esta é a situação mais triste e faz com que os sobreviventes apresentem quadro depressivo. Eles estão no hospital, mas quando recebem alta não têm para onde ir, perambulam sem o apoio do pai, da mãe. O terremoto devastou o Haiti e ninguém saiu ileso. Até a vida da gente é devastada, tanto que os 16 integrantes da equipe deixaram roupas, dinheiro, tudo”, comenta.
De volta às atividades acadêmicas, Denison aproveita cada instante de aula para retransmitir a lição da solidariedade. “Além de ensinar técnicas de enfermagem, tenho cuidado em educar os alunos para que sejam ainda mais solidários com os pacientes. Nós sempre pensamos que uma catástrofe nunca pode acontecer conosco, mas de repente acontece e os acadêmicos precisam estar preparados para ajudar o próximo”.

Porto Príncipe: cenário da destruição


Comentários

Anderson Ribeiro disse…
A gente acompanhou tudo e mesmo assim não temos a dimensão da dor dos haitianos e nem mesmo passamos por perto se tentarmos imaginar.

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