Retrato do antiartista quando coisa
“Alvinho!”, gritou Paulo Lobo. Depois foi Dirceu de Marília. Daí veio Edson e pronto. Lá estava eu, cercado de “Alvinhos” por todos os lados.
Alguns ditos por velhos parceiros de farra; outros, mais despretensiosos, ganhavam eco na voz daquela gente desconhecida, que nas altas da madrugada não faz cerimônia e se aconchega na fronha da amigueira boemia.
Enfim, havia chegado a hora da minha canja e eu não podia dizer não. O bar estava vazio, é verdade, mas para um sujeito de timidez acentuada e autocrítica sem limites, qualquer banquinho de boteco vira o palco do Tobias Barreto – em noite de casa cheia.
Primeiro vem o frio na barriga; o gelo nas mãos. Levanto sem graça, pego o violão, bebo um gole. Bebo outro. Mais alguns goles; mais algumas doses. E a coisa só piora. A canja começa e os primeiros acordes são trêmulos. A voz também vacila, reluta, desafina. E eu fico mais nervoso.
Tem ainda aquele momento em que a memória se esvai. Dá branco na execução das notas e letras. Risinho amarelo, aquele olhar vago, para cima, que evita encarar o público de frente, enquanto procura os acordes e versos perdidos no ar. Nessa hora, o nervosismo dá lugar a uma vergonha mais serena, digna de um antiartista que sabe – precisa parar.
Desço do banquinho e embainho o violão fingindo que ninguém me vê. E, por mais que goste das madrugadas e violões, por mais que ame a boa música, retoco a certeza de que não sou artista.
Não sou artista, primeiro, porque não tenho alma de artista. E para completar, não componho como Gilton e Paulo Lobo; não toco violão com a destreza de Heitor Mendonça ou o suingue de Samuca; não canto como Fábio Lima; não tenho a presença de palco de Dirceu, e muito menos a criatividade de Djenal Gonçalves. Não tenho a poesia de Anderson Ribeiro. Sou um mero reprodutor de melodias, ainda assim, continuarei a arranhar meu pinho toda vez que os amigos pedirem a fatídica canja. Um dia, quem sabe, eles se cansam de mim.
Comentários
É altamente louvável sua modéstia e humildade. São características que o torna uma pessoa de alma nobre e cada vez mais admirada pelos que o cercam, pelos velhos amigos, pelos não tão antigos assim e, inclusive, por aqueles desconhecidos que na fronha da simpatia do tímido e agradável arranhador de pinho se aconchegam. Talvez não se sinta um artista, mas não pode negar a sua essência, ou melhor, a sua alma de artista. Você é, SIM, dono de composições maravilhosas - das quais eu e muita gente somos fãs -, toca bem um violão e tem uma voz cujo timbre nos remete ao grande Chico Buarque, além, é claro, de escrever perfeitamente. Para além disso, a sua simpatia e energia positiva aglutinam boas pessoas, promovem amizades, promovem o encontro, e, se a vida é a arte do encontro - como já dizia o nosso Poetinha Camarada -, não se pode negar mesmo que você a conduz artisticamente. Por fim, parabéns pelo texto, pelas merecidas menções aos talentosos artistas, que denotam o seu reconhecimento e admiração, e encerro este comentário dizendo o seguinte: de gente talentosa, inteligente, amiga, e sobretudo humilde, a gente nunca se cansa, meu caro amigo!
Ah! E pode deixar que eu encho seu copo quantas vezes você quiser. kkk
Tiamo
Vivi
Gilton Lobo ( o mió dos miores)
Acato a humildade, faz parte do bom caráter. Mas, abafa o caso, se não fosses artista, como farias tantas artes de tocar instrumentos diversos, cantar a tristeza e a alegria? Como justifica sempre estar acompanhado da boa música?
Não se trata da arte dos outros, é a SUA arte!!!
Beijos Ternos, Sy (Sua "fãzona" desde a primeira música anos atrás e uma "arteira" modestinha de mão cheia, às vezes... E maior parte do tempo tímida até a tampa!!! rsrs...)
Nem conhecia seu blog. Mas agora com Thaís aqui ficamos mais "próximos". ahahaha...
E concordo com Gilton. Deixe desse negócio de "eu sou ninguém" pq vc é bom 'bagaraio' mesmo! =o) Abraços.
Abraços a todos!
Seu amigo Ribeirópolis. Hahahaha