Showneral de Michael Jackson


Simone Tuzzo*


Showneral? Se você ainda não conhece essa palavra não se espante, é mais um fruto da mídia, e em breve você estará familiarizado com esse termo utilizado para identificar o “evento midiático” que se transformou a morte do astro Michael Jackson. Sim, o funeral midiático transformado em show é mais um ingrediente na trama entre o público, a mídia e a celebridade.

Não é de hoje que a mídia cria heróis e celebridades, aliás, essa criação se transformou em sua principal atividade diária. A criação dos heróis e das celebridades pela mídia é uma forma de identificação coletiva de personagens vitais para afirmação da coletividade, mais que isso, uma forma de materializar em um personagem o modelo de perfeição e deslumbramento coletivo.

Essa criação faz com que fique cada vez mais difícil a identificação entre realidade e ficção apresentada pelos meios de comunicação de massa.

Neal Gabler, numa citação do historiador Daniel Boorstin, diz que vivemos num mundo onde a fantasia é mais real que a realidade, um mundo onde as pessoas se deixam hipnotizar pela deslumbrante vida criada pelos meios de comunicação de massa.

Se é verdade que nem todos se deixam hipnotizar e atrair por uma forma de vida similar à vida dos meios de comunicação de massa, não são poucos os que lutam para que suas vidas sejam iguais às vividas pelos personagens da TV ou do cinema. Neste processo, mais do que a mídia criar constantemente personagens com os quais a sociedade possa se identificar, a própria sociedade seleciona (das mais variadas formas) celebridades ou heróis que passarão a ser identificados como padrões de comportamento coletivo, em seguida reafirmados pela mídia.

O primeiro ingrediente para se tornar um Herói ou uma Celebridade é a conquista da fama. A fama é, de fato, um grande ingrediente de sustentação da mídia atual.

A criação de Heróis e Celebridades é fundamental para o desenvolvimento da sociedade contemporânea. O deslumbramento coletivo cria em cada pessoa a certeza de pensar coletivamente e, ao mesmo tempo, desencadeia um sonho de ser o próprio ídolo ou de estar próximo dele de forma particular. Cada fã sonha com um momento íntimo com seu ídolo, até porque isso seria uma forma de conquistar aquilo que todos querem.

Numa dicotomia, a existência do ídolo só é possível porque muitos exaltam um mesmo personagem até transformá-lo numa celebridade ou herói, reafirmando a necessidade do coletivo; porém, cada membro do processo coletivo sonha em se separar do grupo para viver uma emoção singular com aquele que precisa do coletivo para se afirmar no grande jogo de celebridade.

A ilusão de poder estar compartilhando da vida do ídolo é alimentada freqüentemente pela mídia através de uma exposição da vida íntima das pessoas. Uma realidade não de fato, mas sim uma realidade produzida da intimidade do ídolo é apresentada à sociedade como forma de suprir um desejo coletivo de viver aquilo que não se pode de fato, porém se acredita viver através do único elo entre o sonho e a realidade, ou seja, os próprios meios de comunicação de massa.

Neste jogo, a mídia cumpre o seu papel no sentido de continuar alimentando a ilusão do fã. Uma cumplicidade que obriga os meios de comunicação de massa a colocarem o fã na qualidade que ele nunca terá, ou seja, na de pessoa íntima de seu ídolo, por isso continuará fiel à mídia, na certeza de que “ela faz o que pode” para que seu sonho se torne uma realidade. É correto afirmar que acontecimentos envolvendo aspectos privados, sobretudo dos astros, tendem a se transformar em megaeventos ou passam a ocupar por semanas a fio a opinião pública e o debate político.

Assim, cada vez mais nos vemos conhecedores de detalhes dos personagens da novela, por exemplo, mais do que de pessoas de nossa própria comunidade ou em extremos, até de nossa família.

Pensar que os astros da TV fazem parte de nossas vidas, ou mais que isso, que nós fazemos parte da vida deles, faz com que haja uma histeria coletiva em determinados casos, como a morte, por exemplo.

Heróis e celebridades carregam em si o estigma da imortalidade, o sonho de qualquer expectador da mídia; porque todos nós somos mortais. Por isso, a cada situação de morte de uma Celebridade ou um Herói construído pela mídia, uma chance de um novo espetáculo midiático é desencadeada. O enunciado da mídia busca atingir emocionalmente o público.

São closes e big-closes de caixões, velórios, velas a arder, enterros, missas fúnebres, cenas de choros e depoimentos de parentes, amigos e/ou fãs transtornados. O tom de tragédia, a (re)dramatização do acontecimento, tudo em geral é construído nos mínimos detalhes no sentido de mobilizar o telespectador, o leitor e monopolizar a audiência. Para se fixar o acontecimento na memória, a adesão maciça do público é fundamental.

Toda a cena ganha caráter ainda mais dramático quando pessoas das camadas mais pobres da sociedade se envolvem num processo de identificação com o personagem célebre.

As mortes de Ayrton Senna e Lady Diana são grandes exemplos de todas as substâncias necessárias à construção do espetáculo de que a mídia necessita. Ainda que criados com ingredientes diferentes, uma vez que Lady Diana pode ser considerada uma celebridade – um produto criado pela mídia, no mundo pop da mídia, e Ayrton Senna pode ser considerado um herói nacional de um país onde poucas pessoas conseguem se consagrar como um salvador, ambos se caracterizam como personagens perfeitos para o espetáculo da morte criado pela mídia como uma prestação de contas de um enredo que foi sistematicamente narrado pelos meios de comunicação de massa durante um determinado período.

É como se a morte fosse o último capítulo de uma novela da vida real, veiculada em escala global.

Um outro ingrediente a se juntar nessa trama da morte dos heróis e das celebridades é a existência em grande escala das biografias na era contemporânea. A nova forma de contar e recontar fatos que parecem pertencer a toda a sociedade faz com que jornalistas adotem os lugares dos historiadores e passem a contar a vida daqueles que fazem e deverão continuar fazendo parte da história da humanidade. A construção biográfica ganha uma dimensão fundamental no mundo contemporâneo.

Normalmente as narrativas biográficas veiculadas na mídia ganham um ar de autoria coletiva. Jornalistas, fotógrafos, redatores, revisores, chargistas e cinegrafistas são responsáveis por narrar a vida dos protagonistas dos meios de comunicação de massa, mais que isso, com o poder de contar todo o seu passado heróico, se assim for o caso, ou até assumirem a função de videntes e narrarem as possíveis ações futuras do protagonista, caso a morte não lhe tivesse tirado de cena.

Mas com Michael Jackson tudo parece diferente e maior. Bastou um comunicado da família do astro informando que o funeral público seria mesmo no Staples Center, a “organização” do “evento” já espalhou cartazes pelo estádio no centro de Los Angeles.

O blog do Sérgio Dávila descreve que o Funeral de Michael Jackson será o primeiro “showneral” da história recente. No Nokia Plaza, que faz parte do complexo do Staples, formado por restaurantes, hotéis, cinemas, o Museu do Grammy e outras coisas, isso já era nítido. Um telão alternava o cartaz de Michael Jackson com o da Coca-Cola.

E a organização do evento não parou por aí. Uma corrida em busca da participação no último “show” de Michael Jackson se desencadeou assim que foi anunciado o sorteio de 17,5 mil ingressos para o seu velório a ser realizado na terça-feira no ginásio Staples Center, em Los Angeles. 11 mil ingressos foram colocados à disposição do público para assistir ao velório dentro do Staples Centre. Outros 6,5 mil fãs assistem ao evento em um telão em um teatro próximo ao ginásio. Na verdade são 8.750 fãs sorteados, cada um com direito a dois ingressos.

Os responsáveis pela segurança do velório fizeram um apelo para que os fãs que não conseguirem ingressos para o evento assistam a cerimônia em casa para não causar tumulto na região do Staples Center, no centro de Los Angeles.

Em uma coletiva, o representante da família Jackson, Ken Sunshine, disse que os familiares queriam acomodar a maior quantidade de fãs possível no velório. "É tudo para os fãs", disse. O local escolhido justifica-se no fato de que Michael Jackson vinha realizando os ensaios para a série de shows marcados para julho no Staples Center, onde o time de basquete da NBA Los Angeles Lakers faz seus jogos.

Além dos ingressos sorteados para os fãs, a organização também reservou um espaço para convidados. Entre eles estão o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e o cantor Paul McCartney.

Segundo o "Los Angeles Times", o cantor teria revelado em 2002 que queria que seu funeral fosse "o maior show na Terra, com fogos de artifício e tudo". Conseguiu! Michael Jackson sairá de cena no melhor estilo midiático e a mídia fará tudo para que o último capítulo dessa história seja apenas mais um começo para reafirmar que assim como Elvis Presley, Michael Jackson não morreu.

* Simone Tuzzo é Doutora em Comunicação, professora da Universidade Federal de Goiás – UFG. simonetuzzo@hotmail.com

Comentários

Anônimo disse…
afinada, hein? voltou a escrever! vivas!o que faz uma mudança, né? e aí, já tá usando cinto com fivela dourada? manda notícias
emamba@uol.com.br
bj
ester
Maynara disse…
Ótimo texto!!!!!!
Selma Patriota disse…
Show de texto Simone!

Selma Patriota
Simone Tuzzo disse…
Queridas Selma, Ester, Maynara....
Que legal encontrar vocês aqui.
Que bom que leram o texto.
Obrigada!
Abraços,
Simone Tuzzo
Simone Tuzzo disse…
Valeu Álvaro,
Obrigada por publicar o texto.
Adorei a foto de MJ.
Simone Tuzzo
Vivianne Paixão disse…
Muito bom...Parabéns pelo texto, Simone!

Beijos,
Vivianne Paixão

Postagens mais visitadas deste blog

O mãozinha de pilão

A síndrome do chifrudo imaginário

Quero ser médico do Detran!