Tudo sobre minha mãe
Minha mãe sempre foi professora pública. Nasceu pra isso e assim morrerá. Aos sessenta e poucos anos – confesso não saber ao certo –, trabalha manhã, tarde e noite pra sustentar sua casa em Alagoinhas. Fazer o quê? Em um país de eleitores semi-analfabetos de cabresto, ser professor é padecer no paraíso da corrupção. E ganhando mal pra caralho.
Hoje, quase dez anos após sair de casa e com um canudo de jornalista guardado não sei onde, sinto-me como minha mãe. Neste Bunda-Brasil de índice pífio de leitura e do resumo das novelas que o povo lê e, sabe-se lá como, ainda se emociona no dia seguinte, mesmo já sabendo o final – eu também preciso ralar os três turnos para pagar as minhas contas.
Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todas as dívidas do mundo. E tão somente por ter resolvido abraçar uma profissão que atende ao interesse público, e não ao interesse do público. Mexer a bunda custa caro; escrever sobre política, economia, segurança pública, cultura é barato. Ninguém quer ler. Mas, ainda que não queira, serei jornalista até o momento do meu suspiro derradeiro. Até porque não tenho bunda pra rebolar. Seria ridículo.
Sou como minha mãe. Nasci pra isso e assim morrerei, sabendo que as pessoas preferem o novo penteado da “socialaite” a uma matéria aprofundada sobre os problemas que verdadeiramente afligem a nação. Acabarei jornalista, ainda que as empresas prefiram pagar 50% do meu salário por notinhas milimétricas vazias em colunas sociais. Irei às ruas, darei a cara à tapa e, ao fim do mês, engordarei o saldo bancário dos contatos comerciais – aqueles caras que vendem espaços às custas do meu suor e levam os louros sem jamais precisar ouvir as blasfêmias do político corrupto, empunhar o gravador contra o homicida, circular entre a imundície dos presídios, adentrar matagais, receber insultos, transitar em meio a tiroteios, olhar nos olhos da criança faminta, explorada ou abusada sexualmente... AH! E SEM CONTAR A PERDA DOS SÁBADOS, DOMINGOS E FERIADOS!
Por sorte, os empresários dos outros ramos de atividade ainda pensam diferentemente dos donos da imprensa. Se enxergassem o jornalismo de tal forma descartável, panfletariam nas ruas e não anunciariam em jornais e aí, sim, não haveria dinheiro nem pra mim, nem pros contatos comerciais, nem pra ninguém. Mas enquanto o empresariado não pensa dessa forma, sobrevivo jornalista. Subsisto jornalista. Ainda que em Sergipe o piso salarial equivalha ao de um motorista de ônibus – nada contra, mas desconheço um curso sequer de bacharelado em condução de veículos. Resisto jornalista graças a essa teimosa mania de achar que estou sendo útil à sociedade.
Diz o meu amigo João Augusto, um dos grandes jornalistas sergipanos: “Independente do teor da denúncia, a glória do repórter só dura algumas horas após a publicação da matéria. Depois disso, ele precisa se preocupar com a matéria do dia seguinte e, se fizer mal feita, ainda corre o risco de perder o emprego”. Acho que João tá certo. Mas nem eu e, cá entre nós, nem o próprio João conseguimos acreditar nessa merda. E exatamente por isso estamos fadados a morrer escrevendo “linhas preciosas” que, na prática, não mudarão a vida de ninguém. Na melhor das hipóteses, em uma sociedade semi-analfabeta, de leitura e criticidade preguiçosas, enrolarão peixes na feira. Esta é, talvez, a forma menos humilhante de o nome de um jornalista adentrar as casas dos brasileiros. Quando não, estará estendido no canto de uma cozinha qualquer, a amparar excrementos do cachorrinho da "madame".
Hoje, quase dez anos após sair de casa e com um canudo de jornalista guardado não sei onde, sinto-me como minha mãe. Neste Bunda-Brasil de índice pífio de leitura e do resumo das novelas que o povo lê e, sabe-se lá como, ainda se emociona no dia seguinte, mesmo já sabendo o final – eu também preciso ralar os três turnos para pagar as minhas contas.
Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todas as dívidas do mundo. E tão somente por ter resolvido abraçar uma profissão que atende ao interesse público, e não ao interesse do público. Mexer a bunda custa caro; escrever sobre política, economia, segurança pública, cultura é barato. Ninguém quer ler. Mas, ainda que não queira, serei jornalista até o momento do meu suspiro derradeiro. Até porque não tenho bunda pra rebolar. Seria ridículo.
Sou como minha mãe. Nasci pra isso e assim morrerei, sabendo que as pessoas preferem o novo penteado da “socialaite” a uma matéria aprofundada sobre os problemas que verdadeiramente afligem a nação. Acabarei jornalista, ainda que as empresas prefiram pagar 50% do meu salário por notinhas milimétricas vazias em colunas sociais. Irei às ruas, darei a cara à tapa e, ao fim do mês, engordarei o saldo bancário dos contatos comerciais – aqueles caras que vendem espaços às custas do meu suor e levam os louros sem jamais precisar ouvir as blasfêmias do político corrupto, empunhar o gravador contra o homicida, circular entre a imundície dos presídios, adentrar matagais, receber insultos, transitar em meio a tiroteios, olhar nos olhos da criança faminta, explorada ou abusada sexualmente... AH! E SEM CONTAR A PERDA DOS SÁBADOS, DOMINGOS E FERIADOS!
Por sorte, os empresários dos outros ramos de atividade ainda pensam diferentemente dos donos da imprensa. Se enxergassem o jornalismo de tal forma descartável, panfletariam nas ruas e não anunciariam em jornais e aí, sim, não haveria dinheiro nem pra mim, nem pros contatos comerciais, nem pra ninguém. Mas enquanto o empresariado não pensa dessa forma, sobrevivo jornalista. Subsisto jornalista. Ainda que em Sergipe o piso salarial equivalha ao de um motorista de ônibus – nada contra, mas desconheço um curso sequer de bacharelado em condução de veículos. Resisto jornalista graças a essa teimosa mania de achar que estou sendo útil à sociedade.
Diz o meu amigo João Augusto, um dos grandes jornalistas sergipanos: “Independente do teor da denúncia, a glória do repórter só dura algumas horas após a publicação da matéria. Depois disso, ele precisa se preocupar com a matéria do dia seguinte e, se fizer mal feita, ainda corre o risco de perder o emprego”. Acho que João tá certo. Mas nem eu e, cá entre nós, nem o próprio João conseguimos acreditar nessa merda. E exatamente por isso estamos fadados a morrer escrevendo “linhas preciosas” que, na prática, não mudarão a vida de ninguém. Na melhor das hipóteses, em uma sociedade semi-analfabeta, de leitura e criticidade preguiçosas, enrolarão peixes na feira. Esta é, talvez, a forma menos humilhante de o nome de um jornalista adentrar as casas dos brasileiros. Quando não, estará estendido no canto de uma cozinha qualquer, a amparar excrementos do cachorrinho da "madame".
Comentários
AMIGOOOO
ester
Te amo Ester. Duvido que alguém tenha o privilégio de receber três comentários seus em uma só noite! (aos desatentos, eu não sou louco. Ester pôs também um comentário no meu penúltimo post, o "Lá vem bomba!").
De todos os seus comentários, esse foi o melhor, sem dúvidas. Não leve isso como um desânimo, mas sim como um incentivo para que, no futuro, você possa brigar por nossos direitos. Hoje, a classe dos jornalistas engajados é tão muda quanto miúda.
Abs. Álvaro
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão."
"Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça"
"Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu."
Pensar e ser, ou agir.... às vezes acho que pensar é uma forma incoerente de se forçar a existência. A ação está numa outra dimensão, e nem sempre uma impulsiona a outra. Muitas vezes preciso me sentir formiga sob o mando da rainha pra dar sentido às coisas, embora a cigarra grite feito uma desesperada. A música e a poesia sempre me salvam dessa loucura (ou me mergulham no que ela tem de belo)...
Belíssimo poema (não conhecia!)
Celda
valeu