O amor entre o aracajuano e a porta do buzu
O calvário para todo brasileiro pé-rapado que precisa do transporte coletivo para tocar a vida é praticamente o mesmo em qualquer ponto do país: preço abusivo da tarifa, ônibus superlotados, iminência de assalto e até mesmo os ataques de ovo goro que a molecada arma contra o buzu, sem dó nem piedade (eu mesmo perdi as contas de quantas “bolas brancas” arremessei contra as tantas janelas da minha infância em Alagoinhas, junto ao meu amigo Caatinga, parceiro de planos maquiavélicos e infalíveis).
Mas em Aracaju o calvário de um pé-rapado para se locomover tem lá suas peculiaridades. A mais rotineira delas é estranhíssima: o aracajuano adora a porta do meio do ônibus. É uma paixão avassaladora! Uma fixação doentia! Uma adoração sacra!
Quem trafega de ônibus pela capital sergipana e ainda não foi acometido por esta atração fatal não deve, portanto, espantar-se ao perceber que, enquanto as pessoas se amontoam em frente à porta do meio do buzu, o fundo do carro permanece vazio. Afinal de contas, isso é o que quase sempre acontece.
Apenas para situar os internautas de outros Estados, os ônibus em Aracaju possuem três portas – frente, meio e fundo –: os passageiros entram pela frente, passam pela borboleta, pagam a passagem e, ao invés de se dispersarem, ficam prostrados na bendita porta do meio. É como se fosse uma espécie de status, idêntico ao do sujeito que senta no banco da frente de uma BMW.
Daí, quem entra mais cedo pode até se salvar, mas quem pega o bonde andando – ou melhor, o buzu em trânsito – sofre feito um condenado. Em meio ao calor insuportável, espreme-se de um lado, vira-se do outro; dá uma cotoveladazinha aqui, um “despretencioso” pisão de pé ali; usa a bolsa, mochila, sacola ou o que estiver na mão como escudo; ergue o rosto para respirar mais aliviado, pensa até em gritar “ói o gelo!”, como se faz em estádios de futebol e festas de rua para dispersar a multidão. Mas nada disso adianta. O jeito é se acomodar na lata de sardinha em que se converte aquele trecho da santa e cobiçada porta do meio.
O pior é que os espaços estão ficando cada vez mais exíguos. Um dia desses, solicitei a parada de um ônibus na avenida Beira Mar, mas quase desistia e mandava o motorista passar direto. Em pé na calçada, olhando o carro de frente, tive a impressão de que estava com gente saindo pelo ladrão. Ledo engano. Além de um punhado de pessoas que estava quase caindo no colo do motorista, o ônibus permanecia completamente vazio lá nos fundos. “Fio do cabrunco se num foi!” (Esta expressão, por aqui, funciona como uma espécie de juramento, de quem se está dizendo a mais pura da verdades).
Tentei interpretar aquela cena esquisita, de um ônibus superlotado em dois ou três metros e com o restante do seu espaço interno vazio, ocupado apenas pelas pessoas que se encontravam sentadas. “Será que o motorista está usando Avanço?”, pensei, relembrando a famosa propaganda daquele desodorante. Mas como percebi tanto mulheres quanto homens naquele pedacinho do carro, descartei a hipótese.
Resolvi então perguntar ao cobrador, que me saiu com esta pérola da sociologia dos afetos e das relações: “Já viu, rapaz? Será que sou tão feio assim? Ou é porque vou cobrar a passagem?”.Será que os aracajuanos estão começando a se apaixonar também pela porta dianteira do ônibus? Agora estou preocupado! Não seria esse o momento da SMTT (Superintendência Municipal de Transporte e Trânsito) promover, em caráter de urgência-urgentíssima, um curso de “Técnica da Boa Utilização do Interior dos Ônibus Urbanos de Aracaju: como afastar de vez o risco de morte súbita por asfixia e esmagamento entre o motorista e a segunda porta”?. Fica aqui a sugestão. Você acha a idéia irônica? Porque não é você, fio do cabrunco, que está lá todos os dias asfixiado!
Comentários
gostei desse texto, i v s atualiza mais ainda viu... te+ d seu amigo e irmão JB.
E continue atualizando sempre esse boteco nos fazendo rir das suas loucas e hilárias criações.
Bjssssss
muito bom.. já fui usuário do buzú aqui em Salvador e vc sabe q não é fácil..com certeza, em nenhum lugar do Brasil.
É interessante, pois a depender do tempo da 'viagem', o buzú é um meio rápido de fazer amizades e analisar a cidade com outros olhos. Nele você não dirige... é só ficar atento ao ponto.
Bacana bicho..valeu msmo!
Valeu, cara!!!
Muito, muito bom mesmo...a mais pura verdade isso kkkk
Só sabe quem sofre e passa por isso diariamente (ou eventualmente)
E não poderia deixar de ressaltar aqui a qualidade do final do seu texto. Particularmente, costumo reverenciar finais de textos assim como o esse seu, que 'recuperam' algum ponto ou frase do meio do texto.
Texto 'do cabrunco' esse! :)