Craques sem rédea

No País do futebol e da impunidade, todo craque de bola tem direito a fazer o que bem entende fora das quatro linhas: infringir leis, provocar confusões, protagonizar cenas de violência e desrespeito e depois sair ileso, sem qualquer tipo de punição à altura do ato absurdo que cometeu. A peleja entre o atacante Neymar, dos Santos, e o então técnico do Peixe, Dorival Júnior, é sintomática. Sentindo-se dono do time e da bola, Neymar não aceitou a ideia de passar a vez para que um colega de equipe cobrasse o pênalti contra o Atlético Goianiense. Dedo em riste, achincalhou o treinador, os colegas de profissão e, por tabela, a torcida do Peixe.

O agredido Dorival Júnior foi demitido do Santos, duas rodadas depois, por anunciar que sacaria Neymar da partida contra o Corinthians. Numa tentativa de restabelecer um pouco de ordem e respeito na Vila Belmiro, acabou crucificado. Já o agressor Neymar levou uma multazinha de R$ 50 mil – para ele esta quantia é uma multazinha mesmo – e retornou ao elenco no clássico. O Neymar demitiu o Dorival? Claro que não. O mundo do futebol é que conspira em favor dos desrespeitosos, dos criminosos, dos irresponsáveis. Contanto que joguem bola, vale tudo: se embriagar e matar pessoas atropeladas, como fez o “Animal” Edmundo; empunhar armas e financiar as ações “beneficentes” do Comando Vermelho, como fez o Adriano “Imperador”. Tudo é passível de aceitação pública.

Até a imprensa vai nessa onda. Na primeira partida em que o Dorival Júnior deixou o Neymar de fora, a crônica esportiva aplaudiu. Na segunda, o Dorival já estava “exagerando” e quem “perdia” com aquilo era o Santos. O discurso antiexagero dos jornalistas entrou em cena e sustentou-se no fato de o Neymar simplesmente ter pedido desculpas, um dia depois do bate-boca com o então treinador do Peixe, como se isso só bastasse. “O Neymar de verdade não é aquele”, argumentou o jovem craque, em entrevista coletiva e com a cara lavada. Mentira. É claro que o Neymar é aquele monstro criado pelo universo benevolente do futebol. Assustado, o técnico René Simões, do Atlético Goianiense, fez questão de precaver: “Poucas vezes vi alguém tão mal-educado desportivamente. Está na hora de educar este rapaz”.

Porque ninguém se propõe a “educar” o Neymar? Porque ele é craque e na cultura do futebol brasileiro craque pode tudo. Tentar educá-lo é colocar a cabeça a prêmio, como fez o guilhotinado Dorival. Não é de hoje que Neymar vem sendo o responsável por cenas de desrespeito nos jogos dos Santos. Acaloradas discussões, gracinhas humilhantes com o jogo parado – como fez com o zagueiro Chicão, do Corinthians – e tantas outras atitudes de quem tem um rei na barriga. Mas como o polêmico Neymar também é o craque Neymar com a bola nos pés, passa a ser compreendido apenas como "a irreverência do talento brasileiro" ou o jovem em formação, coitadinho, que precisa de orientações para se tornar um adulto melhor.

No fundo, Neymar é tão protegido quanto um adolescente de 17 anos que comete um crime encorajado pela consciência de que não pode ir para a cadeia, por conta da idade. Alguns cronistas esportivos chegam a levantar a possibilidade de o jovem atacante santista ter o temperamento difícil por conta da genialidade enquanto jogador - como se todo gênio precisasse obrigatoriamente ser excêntrico e transgressor das regras do bom convívio social.

Ora, quanta imbecilidade. A genialidade no futebol nada tem a ver com o caráter de um atleta. Ela é mais impulsiva do que racional. É dom. O sujeito recebe a bola, antevê a jogada e executa em fração de segundos, sem pensar muito naquilo. Age por impulso. E se todo gênio é problemático, porque gente como Zico não protagonizou cenas grosseiras e pedantes como as do Neymar? Resposta simples: o impulso do Zico em dominar uma bola no peito e bater de voleio no ângulo é muito diferente do impulso que fez o Neymar colocar o dedo na cara do Dorival Júnior, contra o Atlético Goianiense. Este é típico de quem se considera o todo poderoso, acima do bem e do mal, quando, na verdade, não o é.

Alguém precisa mostrar ao Neymar que, no futebol, o ditado ainda é atual: uma andorinha só não faz verão. E a tarefa é fácil. Basta dizer a ele que, enquanto o Santos briga para se estabelecer no G4 do Brasileirão, o Corinthians do zagueiro Chicão – aquele mesmo que o garoto da Vila fez questão de humilhar no clássico pelo Campeonato Paulista – é hoje o favorito ao título nacional. Para quê prova melhor?

Quem parece estar disposto a dar ao Neymar esta lição de convívio em grupo e de importância da coletividade é o técnico Mano Menezes, que já não convocou o garoto para a Seleção Brasileira. Mas é claro que, para Mano, essa atitude agora é muito cômoda. Não estamos às vésperas de uma Copa do Mundo e o Neymar tem tempo de sobra para ficar quietinho e retornar. Agora, caso ele continue aprontando das suas, aí eu quero ver se o Mano terá peito de deixá-lo de fora de um Mundial, para acabar achincalhado pela imprensa e pela torcida deste país em que ser craque de bola é o habeas corpus para quem quer cometer todo tipo de delito.

Comentários

Antonio Oviêdo disse…
Neymar é um ótimo jogador, mas o que ele fez com Dorival Jr. e o Edu Dracena, dá mostrar de que ele não está sabendo lidar com a pressão de ser o craque do time. Robinho saiu, Ganso se lesionou e ele ficou com o peso do time e parece que isso, mais a arrogância que reina no mundo do futebol, estão destruindo a imagem do Neymar. Tomara que ele não seja um novo Robinho, que tanto prometeu para o futebol mundial e deixou muito a desejar durante a sua carreira. Parabéns pelo texto, mestre.
Lucas Peixoto disse…
Análise fantástica, grande Álvaro!

Neymar é um sujeito mal educado e se acha o dono do mundo. Se continuar assim, virará um Cristiano Ronaldo, que joga muita bola, mas é um eterno pedante e criador de confusões.

Jogador brasileiro sabe como se joga futebol, com arte e vislumbre. Porém alguns se acham os deuses e por isso fazem o que bem entendem.

O futebol brasileiro ta cheio de bons jogadores, responsáveis e dedicados. Se Neymar ficar fora de um Mundial, outros bons quererão.
Clarissa disse…
Alvinho, querido, como sempre, um ótimo texto! Para completar, a imprensa lá fora está de olho! http://globoesporte.globo.com/futebol/times/santos/noticia/2010/09/deu-no-new-york-times-neymar-corre-o-risco-de-se-queimar.html

Bom, eu como frequentadora assídua do Pacaembu (exceto nos dias de clássicos pq eu me amo), quero ver meu timão ganhar. Sendo bem egoísta e proliferando meu desprezo pelo Neymar, estou torcendo pra ele se queimar de uma vez e cair fora. O Santos é um ótimo time e tem craques de verdade como o Ganso, por exemplo.

Esse moleque precisa de umas palmadas, mas já que até isso proibiram... Tinham de cortar a mesada!

Um beijo!
Unknown disse…
Somente Bruno Souza, otário ao extremo que está hoje atrás das grades. Pensou que a impunidade seria maior ainda... Ps. ainda não tivemos o fechamento do caso. Posso queimar minha lingua. Essa minha justiça brasileira do meu brasil...

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