A Era do ApoCalypso


Já não agüento mais. Depois de tentarem me obrigar a botar a mão no joelho e dar uma abaixadinha, agora querem que eu saia me esfregando em praça pública, feito um animal irracional - puro instinto -, ao som de um pequeno punhado de notas repetidas num teclado qualquer.

É. Definitivamente, não sou arrocheiro... Se é que é assim que se nomeiam as pessoas que gostam deste barulho, deste... desta balbúrdia musical. Enfim, deste troço inaudível que toca nas FMs, nos botecos, nas feiras, nos carros dos playbboys - atitude perdoável, visto que estes acéfalos nada conseguem fazer além de serem condicionados a reproduzir o que a mídia lhes impõe.

Literalmente, não dá mais para viver na terra do arrocha, da música brega, daquelas batidas repetidamente insuportáveis do funk carioca - batidas estas que, se deflagradas na década de 60, serviriam muito bem às Forças Armadas como instrumento de tortura contra os descontentes com a ditadura militar.

Quero ir embora. Quero ir a um lugar onde não tenha de acordar com o som do Harmonia do Samba, num "sambinha" de quatro notas e sem a menor harmonia. Quero ir a um lugar onde não tenha de ligar a TV e me deparar com o Lacraia se contorcendo e sendo aplaudido por um bando de idiotas pocotós, estrategicamente enfileirados e capazes de passar uma tarde inteirinha atendendo aos mandos e desmandos de um apresentador qualquer.... Afinal, o que faz um ser humano em sã consciência sair do conforto do seu lar para ficar feito uma besta, gritando e aplaudindo à exaustão, num programa de auditório? Acho que nem Freud explica isso, mas a teoria dos ilusórios 15 segundos de fama na telinha, talvez sim.

Por fim, preciso arrumar um jeito de descansar meus ouvidos dessas melodias paupérrimas, dessas letras catastróficas e deseducativas - aliás, já está na hora de se vender aparelho de som com a tarjeta "mantenha longe do alcance das crianças -; dos "pirilim-pompons", dos "chupe meu braço", dos "cUelhinhos", dessas gargantas berrantes e renitentes a abradar coisas como "Calypsooooooooo" e a me tirar o sono - não sei quem decretou que berrar é saber cantar -. Enfim, dessa porcalhada toda.

Cadê João Gilberto? Tom Jobim? Vinícus de Morais? Baden Pawel? Cartola? Noel Rosa? Luiz Gonzaga? Onde está a genialidade da música popular brasileira? Ela existe, sim, em talentos como Tom Zé, Francis Hime, Hamilton de Holanda, Ná Ozzeti, Cordel do Fogo Encantado, Toquinho, Ceumar, Hermeto Pascoal, Lenine, Mônica Salmaso, Sivuca, Yamandu Costa, Zeca Baleiro, Miúcha, Riachão, Otto, Arnaldo Antunes, Chico César, Gilton Lobo, Djenal Gonçalves, Leila Pinheiro, Flávio José, Elomar, Xangai.... Ih, é muita gente!!! Isso sem contar os imortais como Chico Buarque e Paulinho da Viola. Mas, infelizmente, a MPB de qualidade está nas alcovas, escondida, submissa, algemada aos ditames do mercado.

Em 1969, Chico Buarque compôs “Essa moça tá diferente” e demonstrou sua desilusão com a mudança da música nacional, do samba e do chorinho, que começava a se modernizar através do movimento tropicalista:

Essa moça tá diferente
Já não me conhece mais
Está pra lá de pra frente
Está me passando pra trás

Essa moça tá decidida
A se supermodernizar
Ela só samba escondida
Que é pra ninguém reparar

Eu cultivo rosas e rimas
Achando que é muito bom
Ela me olha de cima
E vai desinventar o som

Faço-lhe um concerto de flauta
E não lhe desperto emoção
Ela quer ver o astronauta
Descer na televisão

Mas o tempo vai
Mas o tempo vem
Ela me desfaz
Mas o que é que tem
Que ela só me guarda despeito
Que ela só me guarda desdém

Mas o tempo vai
Mas o tempo vem
Ela me desfaz
Mas o que é que tem
Se do lado esquerdo do peito
No fundo, ela ainda me quer bem.

A atemporalidade da obra é a marca registrada do gênio, e a descalabrosa realidade musical do Brasil só nos serve para reverenciar ainda mais a genialidade de Chico. De fato, essa moça chamada MPB continua diferente. Se maquiando cada vez mais e perdendo sua essência para o colorido efêmero da futilidade e da mediocridade intelectual. E ela – a música popular brasileira – realmente ainda nos quer bem. E muito bem. Nós é que somos os verdadeiros ingratos e não lhe damos a devida atenção.

Comentários

Anônimo disse…
Esse é o tipo do texto que merece ser fixado nas paredes dos estúdios das emissoras de rádio AM e FMs para leitura obrigatória dos programadores e disc-jockeys.
Seria , talvez, o ponto de partida para uma necessária mudança de estilo musical. O texto e um potente analgésico para a febre que assola o país.

Nivaldo Menezes
Anônimo disse…
Realmente...como as pessoas nos surpreendem...também com essa cabeça desse tamanho não é? Como diria meu amado irmão Eduardo Jr...cabeça de arromba Navio...kkkk!!
Com certeza o que foi abordado é uma realidade frustrante pois o que havia, quer dizer ainda há por mais que não esteja sendo dada a devida atenção, era ou é o que tínhamos ou que "ainda" temos de mais belo para ser apreciados...Será que vale mesmo apenas valorizar essa "mediocridade intelectual"???

Por mais que não gostamos, e eu, Liane Müller, concordo com tudo que foi exposto... As vezes...na hora de uma festinha...tomando umas 5 cervejinhas...tipo...níver de Iracema Müller, 90 anos de existência...deixamos de lado essa nossa discórdia e partimos para também ouvir essa tal mediocridade...Mas calma!!!ATENÇAO!!Ouvir uma vez ou outra nada mal...mas fazer desse ato algo costumeiro ai também já é demais não é???É antecipar a morte...!!!Vamos ouvir Caetano meu povo...Chico Buarque...coisa assim...com certeza seremos pessoas MUITO melhores do que somos hoje...

PRIMOOOO...eu sei que você me ama...e eu também te amo muito!!!rsrsrs...Que surpresa que nada...essa nova postagem só que com que mais uma vez nos orgulhássemos de você...Parabéns...MUITO SUCESSO!!
Um cheiro enorme de sua primona...Liane Müller
Anônimo disse…
Eu tambem não suporto mais essa calixo, piriripomporra, não sei o que tá acontecendo com a mente das pessoas...
Adorei o texto, muito sucesso primo... Te adoro!
Anônimo disse…
Colé Alvilão,
pois é brother, concordo contigo, apesar de agir de forma contraditória as vezes (por causa das festas do bloco, etc). Mas o gênero é barril. Muita apelação e sacanagem, diferente das serestas de Diógenes, regadas de romantismo e breguice no bom sentido.
Massss, enquanto o mercado (rádio e tv) alimentarem essa banda podre, o público vai 'todo si bulinoo, todo si bulinoo'.
Artigo muito bom. Aquele axé!
Anônimo disse…
Gostei muito do novo texto.Eu que o diga,acordar com o som do vizinho em pleno domingo chuvoso ao som desses arrochas e bregas.Ninguém merece,quer dizer...tem gente que até merece,mas é muita malvadeza!!O lado bom de existir essas "pérolas",é que podemos comparar e ver o que é realmente música de qualidade.Se é que alguém tem dúvida....
Bjsssss
Anônimo disse…
Ah...e Apocalypso foi ótimo!!!!!
Anônimo disse…
Não vou comentar nem acrescentar nada. Isso porque não tiro nem ponho nenhuma palavra do que escreveu.Alias faço um repudio por não citar nesse artigo o nome dos Los Hermanos. Os caras são f@#$.

Um abraço e viva Los Hermanos
Anônimo disse…
EI É COMO TE FALEI SO NÃO TA MELHOR PQ VC ESQUESEU DO POETA FLAVIO JOSÉ!!!
O CARA É FERA!!!
Anônimo disse…
gostei meu amigo. mas isso remete ao célebre saramago em sua obra "ensaio sobre a cegueira". num mundo de cegos as vezes ter olhos se torna uma desvantagem a despeito do lógico. ou seja. ter consciencia das coisas as vezes se torna objeto do preconceito alheio. passar bem irmão...
Anônimo disse…
Poderia fazer um ensaio. Não, escrever uma tese sobre o assunto em questão. Eu sou dos que engrossam a fileira que o fim do mundo está perto; que o apocalypso está em vias de fato. Mas não vou fazê-lo. Vou parabenizá-lo.
Anônimo disse…
Arrochou o arrocha messssssmooooooooo...muito bom o texto QUE VC PARIU...ahhh eu tb não aguento mais esse Calipsooooooooo...e para completar a febre mortalllll...o arrochaaaaaaahhhhhhcaaaaaaa...ninguémmmmmm merece!!!!
Anônimo disse…
...e Geraldo Azevedo???
Anônimo disse…
Parabéns, Álvinho, seu texto "A Era do ApoCalypso" está ótimo. Você conseguiu sintetizar o sentimento de, digamos, futilidade que impulsiona a nossa nova 'MPB'. É triste ligar a TV e assistir a programas que, em vez de ressaltar os verdadeiros problemas por que passam pessoas carentes e apresentar propostas que solucionem esses problemas, apenas mostram a 'cultura' - chamaria eu de 'falsa-cultura', ou pseudocultura - que essas pessoas acreditam que possuem. Mas, mais uma vez, parabéns! Continue escrevendo textos ótimos assim. Beijão. Ah! Não estou esquecida da sua pizza. Xauzinho.
Seinforme disse…
Concordo !!!
Agradecemos a Deus que ainda existe artistas que andam por traz da maquiagem da moça, com suas raízes fixadas que cultivam e renovam a Música Bem Popular Bem Brasileira (MBPBP). A boa música ainda impera os nosso ouvidos sensíveis. Chega de irritação, de desafinação, de falta de criatividade ... de alimentar e manipular a cultura popular com o vírus da cultura inútil.
Tomemos cuidado, só falta lançar o CD Acústico(Calypsooooooooooooooooooooo).
Vamos rápido Chico!!!
Anônimo disse…
menino...como me orgulha fazer parte do seu convivio...não só por concordar com tdo o q disse no texto com o brilhantismo q lhe compete, mas tb por saber q és dono de uma sensilbilidade ímpar. Única do seu ser que faz do universo bem melhor...inclusive, ao som da sua viola, a Era do Apocalypso se faz bem pequena...
analise ia disse…
CONCORDO EM NÚMERO GÊNERO E GRAU.
ISSO NÃO É MÚSICA NEM AQUI NEM NA CHINA (COM TODO RESPEITO OS CHINÊSES).
Anônimo disse…
oi álvaro! adorei seu blog, quem passou o link foi o allan. e qual nao foi minha surpresa abri-lo hoje pela manha e deparar-me com uma das obras primas da minha maior paixão: chico buarque! perfeito texto, evoca todos os pontos dessa vergonha que tem se tornado a musica brasileira. fica uma pergunta, que talvez vc possa discorrer sobre em um outro post? afinal, o que e hoje a musica popular brasileira? beijão!
Anônimo disse…
PRONTO AGORA SIM!!!AGORA TA TUDO SERTO!!!KKKKKKKKKKKKK...VC É O CARA!!!
Anônimo disse…
rpz é foda mesmo, Patty está correta é bem do estilo dos aracajuanos, acordar ao som do arrocha
kkkkkkkkkkkkkkkkkkk
falou viado.
Anônimo disse…
Como assim falar mal de calypso? Quem viveria sem aquele gritinho: calypsoooooooo!! daquela loira-burra? Oxe! Eheheeheh. Cara, você citou muita gente famosa, mas posso garantir que além desse timaço (escalado por tu), tem outros trocentos com muita qualidade no cenário independente. Aí fico aqui me perguntanto e repasso minha questão: por que existe tanta gente boa (alguns geniais) ralando feito louco e tanta gente com uma musicalidade de merda, fazendo sucesso? Fica a questão. Só Jesus salva! Oxalá!
Anônimo disse…
voce ta reclamando de barriga cheia, voces nem vivem todo dia com o " maravilhoso " FUNK, que tudo é musica, mas é muita coisa ruim junta mesmo, calipso é fichinha perto deles, por favor da proxima não esqueça deles, mas a gente tem os cd bons que é pra limpar os ouvidos ! Adorei beijos !!!!1

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